Durante muito tempo pensei que ser terapeuta era cumprir um papel privilegiado na vida social. É inegavelmente fascinante construir uma relação de proximidade, no interior do setting terapêutico, com as pessoas que desnudam suas emoções e narram suas vivências. Nessa posição de ausculta e interação, não apenas ajudei profissionalmente, mas também pude, ao ouvir confidências e narrativas surpreendentes na sua singularidade, descobrir a complexidade da vida e tirar lições dos modos de viver alheios. Levou algum tempo para que eu percebesse que nessa questão relativa à proximidade, ao cuidado e ao conhecimento intenso do outro, há alguém, que a despeito de qualquer formação acadêmica, desempenha (na verdade sempre desempenhou) essa função com bastante expertise.
Esse alguém é uma pessoa que parece ter o dom de ler os pensamentos, de fazer perguntas que não queremos responder, que sabe quando está sendo enganado, que pode ser intensa ao demonstrar suas emoções positivas ou negativas, que pode nos deixar sem ação, que tem a audácia de desafiar o prognóstico de um médico, que tem um papel fundamental nas nossas necessidades emocionais, que parece curar com uma palavra, que pode ser uma pessoa adorável e ao mesmo tempo assustadora: adivinhou se pensou nela, a mãe. Palavrinha curta, mas que denota forte significado. Tem mãe-terra, mãe-natureza, tem mãe para tantas as coisas… Tem a mãe que protege, tem a mãe que luta como uma leoa, tem a mãe que deixa um vazio imenso.
Mãe tem sido objeto de estudo, em várias vertentes, mas não sei se é compreendida em sua complexidade, nem enquadrável em uma única categoria. A função de mãe exige plantão e vigilância permanentes, 365 dias por ano sem trégua. Haja disposição! Se a tarefa é delegada, surge a culpa, apesar do alívio e da liberdade provisória experimentados. Para um filho, a mãe pode ser o céu e o inferno, Jeffrey Young que o diga; a maternidade, por sua vez, pode ser o paraíso ou o padecer no fogo eterno. Jogo empatado. Quem não tem uma história interessante para contar envolvendo mães? Talvez o caleidoscópio de experiências maternas seja o mais rico envolvendo as emoções do dia-a-dia de cada um.
Mãe pode ser tudo, tudo mesmo, de amorosa àquela pessoa irreconhecível premida pelas demandas cotidianas e pelas pressões do trabalho. É aquela que vive pisando nas nuvens quando vê seu bebê fofo sorrindo, dizendo as primeiras palavras, dando os primeiros passos, e experimentando os primeiros degraus do inferno quando vê esse mesmo serzinho se contaminando ao mexer no ralo do banheiro (ou em outras partes sujas ou perigosas da casa), naqueles exatos dois segundos em que ela tirou os olhos dele. Mãe é rainha e escrava. É aquela que tem orgulho da prole, quando esta faz bonito socialmente. É aquela que morre de vergonha dos infantes que falam verdades sem filtros sociais ou aprontam travessuras na escola ou encontros sociais. Qual mãe já não sentiu vontade de tirar férias de seus filhos?
Ser mãe é intenso, mas não é a única coisa que as mulheres querem fazer e por isso não se deve idealizar a maternidade. Em 2020, teremos um dia das mães diferente, distanciados fisicamente, tão diverso do amor que se expressa pela proximidade. Estamos refletindo sobre o que mais importa na vida. Estar com os filhos, poder abraçá-los, mostra como outras demandas sociais podem ser secundárias. Podemos ter sucesso profissional, mas construir relações de afeto tem um valor inestimável, e é isso que nos sustenta. Feliz dia das mães, para todas as pessoas que amam e cuidam, porque ser mãe é proteger e é amar, é dar uma parte de si, ajudando os filhos a construírem valores que estruturam nossas emoções, nossas cognições, nossas ações, e todo um conjunto da obra de nossa personalidade.
Angela Donato Oliva
Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Editora-Chefe da Revista Brasileira de Terapias Cognitivas (RBTC)